Ninguém é mais genial do que um escritor que não publica.
Jerome David Salinger morreu de causas naturais, aos 91 anos
(1919- 2010).
Recluso, raramente dava entrevistas e jamais
se deixava fotografar.
Não publicou nada desde 1965.
Histórias sobre um possível tesouro de Salinger
têm sido contadas por bastante tempo.
Em 1999, um vizinho do escritor de New Hampshire, Jerry Burt,
disse que o autor havia contado a ele, anos antes,
que tinha escrito pelo menos 15 livros que nunca haviam sido publicados
e que os mantinha trancados em um cofre dentro de casa.
O que faz com que um livro narrando acontecimentos quase banais,
ocorridos com um adolescente que não tem nada de extraordinário,
transforme-se na mais acurada e sensível crônica da juventude do século?
Há uma certa genialidade que envolve está grande obra de arte.
É a história de Holden Caulfield, um adolescente de 16 anos.
Um jovem voltando para casa.
Holden relata acontecimentos que ocorreram dias antes do natal,
no fim de um determinado semestre escolar.
Sua fala nos mostra claramente um jovem rebelde, porém,
um garoto inteligente, culto e educado.
Sem dúvidas existe uma boa pessoa em Caulfield, apesar da
sua impaciência e intolerância.
Holden estabelece diálogos interessantes com outros personagens
sem se prender a nenhum deles, apenas alimentava lembranças
de amigas importantes, de uma irmã querida e de um irmão morto.
A angústia acompanha o leitor do começo ao final.
É uma literatura fantástica!
O talento sem tamanho de J.D. Salinger
é um dos maiores responsáveis pelo status cult do livro até hoje.
O livro publicado em 1951 (e que vendeu até hoje mais de 65 milhões de cópias),
marcou a história da literatura e a vida de diversas pessoas também.
E é relacionado de forma obscura em alguns casos emblemáticos.
Um dos mais famosos é de Mark Chapman, o homem que assassinou John Lennon.
Chapman afirmou que estava lendo o livro
enquanto pensava cometer suicídio, e a obra o teria inspirado a matar o músico.
Já no filme Teoria da Conspiração, Mel Gibson vive um taxista psicótico
que compra compulsivamente um volume de O Apanhador no Campo de Centeio
por dia.
Os contos, as idiossincrasias, o humor, o ceticismo,
a ironia e o estilo direto e poético
fizeram do escritor um dos grandes artistas americanos do século.
Ainda não se sabe o que o a maior lenda reclusa da história
deixou guardado no cofre.
ENTREVISTA PUBLICADA (FOLHA DE SÃO PAULO) EM 2004:
- Por que a resistência em dar declarações?
Não nasci pra falar em público, e as pessoas não entendem isso.
Acham que só porque escrevi um livro eu tenho que ser uma pessoa falante.
Não quero que se aproximem de mim. Odeio entrevistas,
embora esteja abrindo uma excessão agora.
- Que procedimento o senhor costuma adotar em abordagens?
Nenhum. Viro as costas. Acho que o mundo seria um lugar bem melhor
para se viver se as pessoas tomassem conta dos seus próprios assuntos.
Tento proteger o que restou da minha privacidade.
- No caso de alguém precisar entrar em contato com o senhor ou o contrário,
qual é o procedimento adequado?
Hoje em dia e-mails. Se alguém quiser me dizer alguma coisa,
escreva três linhas e me envie por meio de minha agente.
Não há nada que não possa ser comunicado em três linhas,
como os haicaístas ou budistas sabem muito bem.
- E o episódio de um site da internet que o senhor fechou
por trazer citações de seu romance.
O Senhor não acha que foi uma atitude exagerada?
O problema é muito simples: não vou ficar alimentando o bolso
desses elementos. O problema é que minha propriedade,
minhas estórias foram roubadas. Alguém foi lá e roubou. Não é justo.
Você não gostaria que eu fosse na sua casa,
pegasse seu casaco preferido e caísse fora.
É assim que me sinto em relação a isso.
- Não que seja minha opinião,
mas o que pensa quando críticos escrevem que o senhor é apenas
"um recluso querendo atenção”,
como Robert Neill no "The New York Times"?
Esses imbecis não têm nenhum respeito, são uns estúpidos.
Depois dizem que não tenho motivos para preferir me isolar.
Vejo toda estupidez do mundo pela TV
e cada vez fico mais apavorado com o que estou assistindo,
principalmente agora.
Escritores precisam de solidão para poder escrever.
- O senhor poderia adiantar algum projeto ou novo livro
para os milhares de leitores brasileiros que cultuam sua obra?
Não sei. O que posso dizer é que escrevo todo dia,
passo longas horas trabalhando. Tenho um quarto cheio de escritos.
Se não publico, é por opção.
Também não penso em lançar livros depois de morrer.
- Não é um paradoxo um escritor evitar publicar?
Não é exatamente o que todo autor mais deseja no mundo?
Como escreveu Emly Dickinson, "publicar é leiloar a alma humana".
Publicar é uma coisa perversa demais. Veja o que aconteceu no meu caso.
Não tenho mais paz desde l950.
Acho que seria um homem mais feliz se nunca tivesse publicado nada.
Não publicar me dá uma indescritível paz de espírito,
uma sensação de bem-estar. Também recuso-me a dar autógrafos.
Quem tem que dar autógrafo são atores e celebridades da mídia.
O autógrafo de um escritor, se ele tiver algum caráter,
deveria ser sua própria obra.
- Sim, mas seu livro teve tanto impacto...
Num trecho, Holden afirma que um livro é bom quando a gente fica
querendo ser um grande amigo do autor,
para telefonar para ele quando der vontade".
O senhor se arrepende de ter escrito isso?
Acho que o senhor não está me entendendo.
Vou repetir pela última vez: escrevo para mim e quero que me deixem só.
Quero ser deixado totalmente em paz para fazer minha obra.
Não existe mais Holden Caulfield. Por que você não vai ler o livro de novo?
Está tudo lá.
- Gostaria de saber sua opinião sobre o livro de Joyce Maynaird
sobre os 11 anos que conviveu com o senhor
(Abandonada no campo de centeio, Geração Editorial).
Não, agora chega. Isso precisa parar. Já respondi o que tínhamos combinado.
Você está começando a ser inconveniente.
- Há uma paz maravilhosa em não publicar.
Publicar um livro é uma invasão terrível da minha privacidade.
Eu gosto de escrever. Amo escrever. Mas escrevo para mim mesmo
e para meu próprio prazer - J.D. Salinger (1974).